Acabei de ler o livro “A Menina que roubava livros”. Adorei, muito bem escrito, mas o que me comoveu e, sem dúvida, me encantou foi a relação dela com o pai de criação (adotivo?). Tive um pai assim, MARAVILHOSO. Ele me ensinou a andar descalça, subir em árvores, andar de carrinho de “roleman” (feito por ele), levar cabra para pastar no morro, entre outras coisas. Me apelidou de Bituca, nunca soube por quê, mas gostava muito. Era uma pessoa indefinível, pois vivia uma vida difícil, mas nunca o vi infeliz, muito pelo contrário, não saía sem uma flor na lapela de seus ternos sempre brancos. Realmente, uma figura inesquecível e o livro me reavivou a memória dessas pequenas coisas da infância que vão ficando perdidas, mas nunca esquecidas. Ele foi meu herói, meu amigo, pois não deixava que brigassem comigo. Tive que escrever uma história da minha vida para um livro e escrevi sobre ele. Uma pequena homenagem de quem o amou muito e talvez não tenha tido tempo para dizer isso a ele.
A menina e seu “Pai”Era uma vez uma menina.
Uma menina bem diferente de seus amiguinhos, por um motivo também diferente!
A menina vivia em uma família de 5 irmãos. Ela era a caçula, com grande diferença de idade dos outros irmãos.
A menina era feliz, vivia brincando com seus amiguinhos, jogando bola, pulando amarelinha, subindo em árvores.
Porém, ela andava muito intrigada com uma coisa que a tornava diferente. Ela observara seus amiguinhos e descobrira que todos tinham um pai e uma mãe. Mas ela não, e, era aí que a diferença aparecia. A menina tinha dois “pais”. Isso mesmo, dois pais!
Quando a menina começou a descobrir essa diferença, perguntou à mãe o porquê dessa diferença. A resposta foi simples.
- Minha filha, Papai do céu foi seu amigo, você tem um pai aqui em casa e outro que vem sempre visitá-la aos domingos e traz doces e presentes, isso não é bom?
A menina não achava a resposta muito lógica, pois já desconfiava que só ela era assim e já estava com 8 anos, era bem esperta! Mas, por outro lado, ela se orgulhava de ser privilegiada com os dois “pais”!
Nessa época, ela só conhecia os amiguinhos da rua onde morava. Na sua família não havia nenhum primo ou prima da mesma idade que ela. Ela também não freqüentava a escola como os amigos. Estudava com a vizinha professora.
Foi por isso que ela resolveu pedir aos membros da família que a colocassem na escola, pois queria conhecer outros amigos e saber se havia alguém com dois pais, alguém igual a ela.
Depois de muita insistência, ela foi para a escola. Era uma escola religiosa, cheia de princípios.
No primeiro dia de aula, ela levou um susto. Na sua sala eram mais de 20 alunos. Ficou meio assustada, mas pensou:- Aqui deve haver alguém com dois pais!
Mas era cedo ainda para perguntar. Aos poucos começou a entrosar-se com a turma e foi descobrindo que a “diferente” era ela, pois não havia ali ninguém com dois pais. Esse era um problema só seu. Ficou também muito revoltada porque os colegas riam dela quando perguntava se tinha dois pais.
Além deste problema, surgiu outro na escola. Ela descobriu que não possuía o mesmo sobrenome da sua família, isso era estranho! Resolveu que perguntaria sobre os dois assuntos e não aceitaria a resposta de Papai do céu e nem outra desculpa qualquer.
Chegou em casa da escola e foi logo para a cozinha perguntar à mãe.
- Mãe, eu quero saber tudo.
A mãe, assustada, perguntou:
- Que tudo é este, minha filha?
- Primeiro quero saber sobre a história dos dois “pais” e depois por que não tenho o mesmo sobrenome de vocês.
A mãe disse que estava muito ocupada e que mais tarde conversariam. Ela teve que aceitar, mas não desistiria, perguntaria na hora do jantar quando o pai e os irmãos estivessem em casa.
Chegou a hora tão esperada pela menina. Todos à mesa e ela, muito espevitada, fez, de repente, as duas perguntas que já fizera à mãe, além de reclamar que todos os colegas riram dela.
Fez-se um silêncio. Um olhava para o outro. Nada era dito. A mãe, então, pediu que ela acabasse de comer e depois conversariam.
- Tudo bem - disse a menina.
Após o jantar, lá estava ela esperando por sua resposta.
Foi um momento muito difícil para toda a família. Teriam, naquele momento, que revelar um “segredo” para a menina tão amada e querida por todos. Aliás, um outro segredo também seria revelado.
A mãe foi quem resolveu falar:
- Olha, minha filha, sua história é um pouco triste, queríamos que você ficasse mais velha para que entendesse melhor.
A menina interrompeu:
- Mãe, eu já tenho 8 anos e entendo tudo na escola, pode falar.
- Pois muito bem, -disse a mãe: - Quando você nasceu, você foi posta no meu colo, mas não era o colo da sua mãe verdadeira.
A menina interrompeu de novo:
- Fale direito, não estou entendendo. Quero saber por que tenho dois “pais” e não tenho o sobrenome de vocês, e também por que meus colegas riem de mim.
- Bem - disse a mãe - você veio para o meu colo porque sua verdadeira mãe estava passando muito mal e, infelizmente, acabou morrendo e deixando você para nós. Aí, você acabou tendo uma só mãe, mas, em compensação, dois ”pais”. E tem mais uma coisa que você precisa saber: seu aniversário não é dia 16 e, sim dia 10 de maio.
A menina estava em silêncio, não sabia se a novidade era boa ou má. De repente, falou:
- Mãe, eu estou muito triste porque minha mãe morreu quando nasci, mas eu gosto muito de vocês. Gosto até do meu outro pai que é o verdadeiro. O que não entendo é porque vocês nunca me contaram, é por isso que eu não entendia nada do que acontecia. Fiz o papel de boboca achando que era muito esperta e que tinha dois pais, me achava “especial”, agora vejo que tudo ficou claro e tão simples.
Todos riram aliviados e a abraçaram. Aí ela disse:
- De agora em diante meu aniversário será dia 10 de maio.
Todos concordaram.
Naquela noite, a menina não dormiu. Só pensava como ia contar aos amigos da rua e aos colegas da escola sua nova história. De uma coisa tinha certeza. Se tivesse que ficar com um pai só ela queria o que sempre adorara e sempre fora um pai super maravilhoso, sabem por quê?
Esse pai ensinou a menina a andar quando era pequena e quando ela cresceu um pouco foi seu grande professor de andar de carrinho de roleman, subir morro levando cabrita, subir em árvores, jogar pião e amarelinha, sem falar nos passeios que faziam juntos e ele deixava ela ficar de pé no chão e correr livre. Realmente, a menina sempre achou que ninguém tinha um pai igual. A menina cresceu vendo o pai colocar flor na lapela, chapéu de panamá para ir trabalhar, terno branco sempre engomado, cadeira espreguiçadeira no jardim à noite para descansar. Esse pai ensinou-a a gostar dos animais, pois em casa tinha: cachorro, gato, papagaio, tartaruga, passarinhos, galinhas... Nossa, era uma casa feliz, cheia de árvores frutíferas onde a menina se deliciava quando tirava manga, pitanga, goiaba do pé sem que o pai visse, pois ele só tirava fruta quando madura, mas não brigava com ela, nunca. Ensinou a menina a chupar cana, roer rapadura. Trazia sempre, à noite, um saco de balas para a menina. Aos sábados, fazia muitos doces e sucos que só ele sabia como preparar, além da groselha, a bebida mais comum na casa. Esse pai a vida toda chamou a menina de Bituca, ela nunca soube por quê, mas gostava. Era diferente, soava com amor. Foi um pai presente sem ser chato ou repressivo. Mas...
A menina sentia um pouco de tristeza quando lembrava que ele não era seu verdadeiro pai , mas não o trocaria pelo verdadeiro de jeito nenhum.
A menina também ficava triste quando pensava que não tinha podido conhecer sua verdadeira mãe, abraçá-la e beijá-la como fazia com a que amava tanto ao chegar da escola, era muito beijo e abraço.
A menina ficou moça, terminou o ginásio, formou-se professora, entrou para a universidade. O pai sempre olhando-a com felicidade, por ela conquistar coisas que ele não conseguira. Ele não era de abraços, só de olhar manso e amoroso. Dizia tudo!
Infelizmente, seis meses após a menina entrar na univesidade, o pai (talvez achando que já cumprira seu dever) resolveu partir da vida sem nenhum aviso, do jeito dele, silencioso. Foi a maior perda da menina, sem dúvida, porque sempre sonhava dar uma vida melhor para seu pai e sua mãe. A tristeza tomou conta da menina, mas ela não desanimou e o que prometera para si mesma, ela conseguiu cumprir. Dizia que queria ser mãe e conseguiu ter três filhas, lindas, boas, e suas melhores amigas hoje em dia.
Essa é a história da menina que foi muito feliz por ter esse “Pai” maravilhoso junto dela, ensinando tudo que uma menina precisa saber. Nunca vou esquecê-lo, pois ele está gravado em meu coração.
A mesinha que meu pai fez para eu estudar.
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