terça-feira, 11 de novembro de 2008

Invisível

Recebi este texto e fiquei encantada de ver como quem o escreveu descreve bem o que os idosos verdadeiramente sentem. Sou diplomada em idosos da minha família, além de trabalhar como voluntária em uma casa de idosos uma vez por semana e sempre ouvir seus problemas, tristezas e abandono. Sem dúvida, velhice é uma fase terrível, pois além de invisível o idoso também tem que lidar com a finitude e nem sempre são compreendidos. Ao ler este texto relembrei muito dos meus familiares que já se foram e, quem sabe, alguns também não se sentiram invisíveis e nem percebemos . Reflitam sobre o texto e cuidem bem dos seus idosos.


"Já não sei em que dia estamos.
Lá em casa não há calendários, e na minha memória as datas estão todas misturadas.
Recordo-me daquelas folhas grandes, uns primores, ilustradas com imagens dos santos que colocávamos ao lado do toucador. Já não há nada disso.
Todas as coisas antigas foram desaparecendo.
E, sem que ninguém desse por isso, eu também fui me apagando...
Primeiro, mudaram-me de quarto, pois a família cresceu.
Depois, passaram-me para outro menor ainda, com a companhia das minhas bisnetas.
Agora, ocupo um cubículo, que fica anexo da moradia.
Prometeram-me substituir o vidro da janela, mas se esqueceram, e todas as noites, entra por lá um ar gelado que aumenta as minhas dores reumáticas.
Mas tudo bem...
Desde há muito tempo que tinha intenção de escrever , porém passava semanas à procura de um lápis . E quando o encontrava, voltava a esquecer onde o tinha posto.
Na minha idade, todas as coisas se perdem facilmente. É claro que não é uma doença delas, das coisas, porque estou certa que as tenho, elas é que desaparecem.
Uma tarde destas, dei-me conta de que minha voz também tinha desaparecido.
Quando falo com os meus netos ou com meus filhos, eles não me respondem.
Todos falam sem me olhar, como se eu não estivesse ali, ouvindo atenta o que dizem.
Às vezes, intervenho na conversação, certa de que o que vou dizer não lhes ocorrera e que poderá ser-lhes muito útil.
Porém, não me ouvem, não me olham, não me respondem.
Então, cheia de tristeza retiro-me para o meu canto e vou beber uma xícara de chá.
Faço assim, de propósito, para que percebam que estou aborrecida, para que compreendam que me entristecem, venham buscar-me e me peçam perdão...
Porém, ninguém vem...
Quando o meu genro ficou doente, pensei ter uma oportunidade de ser-lhe útil, e levei-lhe um chá especial que eu mesma preparei.
Coloquei-o na mesinha e sentei-me, à espera de que ele tomasse. Só que ele estava vendo televisão, e nem um só movimento me indicou que se dera conta da minha presença a seu lado.
O chá pouco a pouco esfriou, e com ele , também meu coração...
Então, um dia destes disse-lhes que quando eu morresse, todos iriam arrepender-se.
O meu neto mais novo disse:
- “Ainda estás viva, vovó?”
Acharam todos tanta graça , que nem paravam de rir.
Chorei três dias no meu quarto, até que uma manhã, entrou um dos rapazes para ir buscar um skate.
Nem o bom-dia me deu.
Foi então que me convenci de que sou invisível...
Uma vez , parei no meio da sala, para ver se me tornando um estorvo, reparavam em mim.
Porém, minha filha continuou a varrer à minha volta, sem me tocar, enquanto os meninos corriam de um lado para o outro, sem tropeçar em mim.
Um dia os meninos , agitados, vieram me dizer que no dia seguinte iríamos passar um dia no campo.
Fiquei muito contente. Havia tanto tempo que não saía, e mais ainda, não ia ao campo.
Neste sábado, fui a primeira a me levantar. Quis arrumar as minhas coisas com calma. Nós, os velhos, demoramos muito a fazer qualquer coisa, e assim, adiantei o meu tempo para não nos atrasarmos.
Muito apressados, todos entravam e saiam de casa a correr, e levavam as bolsas e os brinquedos para o carro.
Eu estava pronta, e muito alegre, permaneci no meu cubículo à espera deles.
Quando me dei conta, eles já tinham partido, e o automóvel arrancou envolto em algazarra. Compreendi então, que não tinha sido convidada.
Talvez não coubesse no carro...
... ou, se calhar, porque os meus passos lentos impediriam que todos caminhassem a seu gosto pelo bosque.
Naquela hora, o meu coração encolheu e a minha cara tremeu como quando a gente tem que engolir a vontade de chorar.
Eu os percebo.
Eles têm o mundo deles.
Riem, gritam, sonham, choram, se abraçam, se beijam.
E eu, já nem sei qual o gosto de um beijo.
Dantes, beijava os pequeninos, e era um prazer enorme tê-los nos meus braços, como se fossem meus. Sentia sua pele macia e a sua respiração doce, bem perto de mim. A sua vida nova dava-me alento, e até me dava vontade de cantar canções de que nunca pensara me lembrar ainda.
Mas um dia, a minha neta, que acabara de ser mãe, disse-me que não era bom que os anciãos beijassem os bebês. Por uma questão de saúde...
Desde então não me aproximo deles. Não quero transmitir-lhes nada de mau, devido à minha imprudência. Tenho tanto medo de contagiá-los!
Eu os perdôo a todos.
Porque...que culpa eles têm, que eu tenha me tornado Invisível!!!!!?????”
(autor desconhecido)

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5 comentários:

ACÍBEL - Blog oficial disse...

Emocionante o texto!!
Aqui em Santa Bárbara teve alguns dias especiais para o Idoso!!
Com várias atividades no asilo de nossa cidade.Além de cursos e palestras,para quam trabalha com essas pessoas maravilhosas, determinadas e carentes de atenção!!!

Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.
Carlos Drummond de Andrade


O Círculo literário espera receber mais vezes a sua visita!!
Abraço, tenha um lindo dia!!

Nina disse...

OOh Deus! Marisa é assim, as pessoas ficam invisíveis e nós todos, insensíveis.
um bom texto pra refletir.

só podia ter vindo do seu blog.

um bj!

Flávia disse...

Que bom estar aqui!!
Estive um pouco sumida, mas agora voltei com força total.
Abraços

betty mello disse...

Querida, recebi um carinho da Dete e quero dedicá-lo a você. Passe lá no http://feltro-la-pano-papel.blogspot.com para pegá-lo e oferecer a outros amigos. Um beijinho carinhosos, Betty

Para aqueles! disse...

É impressionante a capacidade de crueldade do ser humano para com seu próximo. O mínimo passa a ser o máximo, e isso é mais normal na nossa sociedade... que pena

Dê uma comidinha ao panda